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Sobre deixar tudo e todos para recomeçar


Você já parou para pensar por que tantas pessoas deixam o Brasil? Brasileiros que decidem tentar a sorte longe de casa em troca da promessa de melhores condições de trabalho, melhores condições financeiras, maior segurança, melhor qualidade de vida, liberdade individual e de expressão. São pessoas que passam boa parte da vida, ou estão começando ela, presas à compromissos, sem perspectivas de crescimento no local de trabalho, vendo o salário que ganham acabar logo no início do mês e sem conseguir poupar como gostariam. As tão desejadas férias são negociadas, nunca em favor do empregado, e sim, são planejadas com pelo menos um ano de antecedência. É todo um esforço para se ter o mínimo: mínimo salário, mínima educação, mínima segurança e mínima liberdade.

Então quando me perguntam o por que de eu ter saído do Brasil, geralmente respondo que foi por amor. Bom, amor não é tão simples, mas é melhor do que ficar explicando que meu namorado recebeu uma proposta para trabalhar em uma empresa e eu, na falta de emprego e do que fazer pós mestrado, aceitei me mudar com ele! É mais romântico responder assim.

A oportunidade que eu tive de vir morar na Holanda há alguns anos atrás, veio ao encontro do desejo de explorar o mundo, somado com as inseguranças que há algum tempo já vinham me acompanhando: minha área de atuação não é das mais valorizadas no país, e eu teria que voltar a trabalhar com algo que não me faz feliz e já prejudicou minha saúde mental. Então um novo emprego acabou sendo a deixa para a mudança. Mas eu queria falar também sobre outros motivos que levam as pessoas a deixar o país. O que te faz deixar tudo pra trás, a família, amigos, emprego e ir para o desconhecido?

Sim, eu sei, viver no Brasil não anda fácil nesses últimos anos. É um misto de insegurança, desemprego, (i)mobilidade urbana, queda do poder de compra, liberdade individual ameaçada, qualidade de vida prejudicada, sistema de saúde insuficiente, dentre tantos outros pontos. Os casos de violência urbana são assustadores. Dados do Ipea mostram que em 2016, os casos de homicídio no Brasil foram trinta vezes maiores que a média dos países Europeus. Se formos falar sobre violência contra a mulher, algo que pessoalmente me preocupa, 1 crime ocorre a cada 10 minutos. Ainda em 2016, o índice de morte por armas de fogo foi de 71,1%, bem longe da média dos países Europeus, que é de 19,3%.

Não são só os dados alarmantes que nos fazem repensar todos os dias o quão segura é nossa casa, nossa cidade. É o fato de você viver com medo de ser assaltado, medo de voltar tarde pra casa, medo de andar sozinha na rua, ter que transformar sua casa em prisão na tentativa de se proteger. Isso não faz o mínimo sentido.

Ainda temos a questão do mercado de trabalho e qualidade de vida. Levanta a mão quem está feliz e ganhando bem trabalhando na sua área. Vamos ver, um, dois.. Você?! Não? Difícil, né?!

A gente começa a faculdade achando que vai terminar com emprego garantido, salário alto, comprando casa, carro... Você vive vida de estagiário, ganhando pouco e trabalhando muito; ou naquela posição não tão incrível, mas que paga as contas no fim do mês; ou ainda você é aquela pessoa de sorte que faz o que gosta e ainda ganha pra isso. O em comum entre tudo isso é o tempo: acorda cedo, perde pelo menos 4 horas diárias no trânsito, trabalha no mínimo 8 horas. Falta tempo pra tudo, pra encontrar os amigos, ir ao cinema, ao museu, tempo de qualidade. A vida se transforma em trabalhar, comer, dormir e pagar as contas. Isso não fecha, não fomos feitos só pra isso. De acordo com a OMS, o Brasil é o país com o maior número de pessoas com depressão e ansiedade na América Latina. Um ambiente de trabalho tóxico, cidade caótica, sensação de insegurança constante, impossibilidade de ser quem você é, desemprego... São algumas das coisas que nos deixam doentes.

Ah... mas você tem que sair mais, comer melhor, aproveitar mais a vida, respirar ar puro. Ok, vamos lá: qualquer ida ao cinema é cara. Comer de forma saudável, por mais que digam que não é caro, desculpa, mas é sim. O valor da cesta básica é de aproximadamente R$450,00 e o salário mínimo R$ 954,00. O DIEESE sugere que para a manutenção de uma família de 4 pessoas, o salário ideal seria 3,83 vezes o valor do mínimo (R$3.653,82). Quantas pessoas conseguem receber isso?

Bom, se você chegou até aqui, deixa eu te pedir desculpas pelo tanto de informação negativa. Não quero ser pessimista em relação ao nosso país, só estou mostrando dados de uma realidade em que vivemos.

Realidade essa que faz muita gente desistir e sair. Você cansa de sentir medo, cansa de sair de casa e não saber se vai voltar. Você como mulher vai me entender, mas a gente cansa de sair na rua sozinha com medo de ser estuprada. Você cansa de ter medo de morrer por causa da sua orientação sexual e por amar. Você cansa de ver seu trabalho ser desvalorizado, de não ter tempo de qualidade com sua família. Você cansa de se atualizar, estudar, se aperfeiçoar e não ser reconhecido. O seu dinheiro não vale, você quer dar as melhores oportunidades para seus filhos, e para você também, mas não consegue. Você só está exausto. Quer algo, algum lugar que valorize tudo isso, onde talvez as coisas sejam melhores.

É por isso que as pessoas mudam. É por isso que a gente deixa a família e os amigos pra trás - em busca de novas oportunidades, qualidade de vida, valorização do trabalho e do dinheiro. Onde possamos no fim do dia, ainda dar uma volta, ou veja você, realizar aqueles sonhos há tanto tempo guardados e esquecidos. O caminho é difícil, mas vale a pena.

Pamella Amorim Liz

Escritora, mestre em história e cozinheira. Mora em Amsterdam há quase 3 anos e adora a vida entre tamancos, chuva e tulipas.

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